sexta-feira, 12 de abril de 2013

A PEC do Trabalho Domestico no Teatro e no Cinema



"Uma história que nos é familiar." É assim que o crítico Marcelo Janot começa retratando a recente Emenda Constitucional que garante mais direitos aos empregados domésticos veio carregada de polemicas, principalmente por parte dos empregadores. Depois de séculos do fim da escravidão há uma regulamentação constitucional para os trabalhadores domésticos que antes eram discriminados, no sentido de ter menos direitos e proteção do que os demais.

Chegou nas telas dos cinemas, muito por conta desse debate, o filme "A Criada". Uma produção chilena que conta um pouco da realidade das domésticas no país.  Na produção, os patrões não são vilões escravagistas, e as empregadas não são vistas como almas puras e indefesas. O que está em pauta não é a representação dos conceitos de vilania e vitimização dentro da relação profissional estabelecida, mas o que a presença daquele ser tão próximo e, ao mesmo tempo, tão distante da vida da família significa tanto para a empregada quanto para os patrões.

Nos teatros também há a produção de "As Domésticas"Com texto de Renata Melo e José Rubens Siqueira, o espetáculo narra de forma irreverente e emocionante os medos, paixões, sonhos, frustrações e peripécias de algumas empregadas domésticas. Sob direção da também atriz Bianca Byington, o elenco interpreta depoimentos desses verdadeiros “personagens da vida real”.

Depois da PEC diversas textos, matérias de jornal e artigos surgiram levantando aspectos positivos e outros, mas na ótica dos empregadores, visando o lado negativo da decisção. Como contribuição deixamos a indicação de dois excelentes textos, que focam principalmente no lado histórico do emprego doméstico no Brasil. Um deles é do Professor da Casa Claudio Pereira Souza  Neto: Emenda Constitucional 72 tem incidência imediata e o outro do Procurar de Justiça do Rio Grande do Sul Lenio Streck com o texto: A PEC das Domésticas e a saudade dos "bons tempos". Que retrata como a figura da emprega foi construída historicamente e socialmente.




sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

McDonald´s é alvo de inquérito da Polícia Federal por trabalho escravo



O McDonald´s está sendo investigado pela Polícia Federal por suspeita de submissão de seus funcionários a condições análogas à escravidão. A PF instaurou o inquérito policial após denúncia de não pagamento de salários a uma funcionária durante os oito meses em que ela trabalhou em um dos restaurantes da rede de fast food.
Conforme relatado pela mãe da jovem à reportagem do Brasil de Fato em setembro de 2012, o McDonald´s justificou a falta da remuneração pelo fato de a funcionária ter apresentado uma conta-poupança no momento da contratação e os depósitos somente eram feitos em conta-corrente pela empresa. “Eles a fizeram abrir uma nova conta, agora corrente, mas até hoje só vieram despesas”, disse.
A adolescente, de 17 anos, integrou o quadro de funcionários do McDonald´s de dezembro de 2010 a agosto de 2011. Em abril do mesmo ano descobriu que estava grávida. Pela falta da remuneração e a proximidade do nascimento de seu filho, ela decidiu buscar meios judiciais para resolver a situação. Ao procurar a Justiça do Trabalho, a adolescente e a mãe foram encaminhadas para o Sindicato dos Empregados em Hospedagem e Gastronomia de São Paulo e Região (Sinthoresp), de modo que tivessem acesso à assistência jurídica gratuita.
O sindicato entrou com uma ação pedindo a rescisão indireta da trabalhadora e pleiteando o pagamento dos valores devidos. A entidade ainda solicitou ao Ministério Público do Trabalho (MPT) a instauração de um inquérito civil para apurar o não pagamento de salários levado a cabo pela Arcos Dourados Comércio de Alimentos Ltda., franqueadora do McDonald´s. No entanto, o pedido foi negado sob o argumento de que não existiam provas de que tal procedimento se estendia aos demais funcionários da rede de restaurantes fast food. “Não há como se presumir a existência de irregularidades trabalhistas perpetradas pela empresa em face de uma coletividade de empregados, situação que, em tese, legitimaria a atuação do Ministério Público do Trabalho”, diz o relatório de arquivamento do pedido.
Após a negativa de abertura do inquérito civil para apurar o não pagamento de salários a ex-funcionária, o sindicato entrou com um pedido junto à Polícia Federal para que fosse feita a investigação criminal da conduta do McDonald´s com seus empregados. No requerimento, o Sinthoresp alegou que a jovem “foi submetida à condição análoga de escravo”. O pedido foi protocolado na PF em 27 de agosto de 2012 e a instauração do inquérito foi determinada no final de outubro do mesmo ano.
Conforme o advogado do Sinthoresp, Marinósio Martins, a Polícia Federal já ouviu a trabalhadora. “Ela confirmou os fatos que estavam incluídos no requerimento para o inquérito”, conta. Agora, a PF deve intimar mais pessoas para prestarem esclarecimentos sobre os fatos, entre eles os donos do restaurante da rede fast food em que ela trabalhou, ex-colegas de trabalho e os responsáveis pela Arcos Dourados, franqueadora master do McDonald´s no Brasil. “[Os agentes da PF] vão apurar os fatos e, chegando à conclusão de que houve um crime e de quem foi a autoria, as implicações serão em termos penais”, explica o advogado.
Os resultados da investigação da Polícia Federal serão reunidos em um relatório e encaminhados ao Ministério Público (MP) que, se aceitar a denúncia, encaminhará o processo para a Justiça Federal. Rodrigo Rodrigues, também advogado do Sinthoresp, diz que a expectativa é que o MP aceite a denúncia. Ele pondera, no entanto, que o que se conseguiu até agora, com a instauração do inquérito pela PF, foi um grande passo. “Ter aberto um inquérito para investigação de trabalho análogo à escravidão já é uma vitória dos trabalhadores”, afirma.
A mesma opinião é compartilhada por Marinósio Martins. “Como a própria Polícia Federal fez uma análise preliminar e concluiu que há a prática desse crime, a nossa expectativa é que isso [o inquérito] progrida, para que não haja mais esse tipo de abuso em nosso país”, defende.
Pacto
Diante da abertura do inquérito pela Polícia Federal para apurar a suspeita de trabalho escravo na rede de fast food, o Sinthoresp encaminhou ao Comitê de Monitoramento do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo denúncia contra a Arcos Dourados, que é signatária desde 2009 e apoiadora da iniciativa, pedindo a sua exclusão por violação ao Pacto. “Há violação quando a empresa denunciada, Arcos Dourados, vale-se das necessidades vitais das pessoas humanas, que buscam o seu primeiro emprego, para reduzir direitos em uma nítida situação de escravidão econômica”, afirma no requerimento. Além disso, o sindicato pede a inclusão da empresa no rol da lista suja “pela prática de trabalho degradante”.
O advogado Rodrigo Rodrigues afirma que a presença da rede de fast food no Pacto é fora de contexto, já que os signatários se comprometem a não comercializar produtos de fornecedores que usaram trabalho escravo. “Agora, o próprio McDonald´s é investigado pelo inquérito da Polícia Federal por trabalho escravo. Como fica? O frigoríficos não vão mais vender carne para ele?”, questiona.
Segundo Rodrigues, o pedido foi encaminhado para o Comitê de Monitoramento do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo no dia 4 de janeiro deste ano e ainda não obteve retorno.
Fonte: Brasil de Fato

domingo, 27 de janeiro de 2013

Terceirização Trabalhista

I) Introdução

Para o Direito do Trabalho terceirização é o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente. Com isso, a terceirização provoca uma relação trilateral em face da contratação de força de trabalho no mercado capitalista: o obreiro, prestador de serviço, que realiza suas atividades materiais e intelecutuais junto à empresa tomadora de serviços; a empresa terceirizante, que contrata este obreiro, firmando com ele os vínculos jurídicos trabalhistas pertinentes; a empresa tomadora de serviços, que recebe a prestação de labor, mas não assume a posição clássica de empregadora desse trabalhador envolvido.


Desse modo, esse modelo trilateral de relação socioeconomica e jurídica provocado pelo processo terceirizante é totalmente distinto do clássico modelo bilateral no qual se polarizava as posições de empregador x empregado.

II) Normatividade Jurídica Sobre Terceirização

Decreto Lei n° 200/67: Reforma da Administração Pública afim de descentraliza-la e impedir o crescimento desmesurado da máquina pública como prevê no Art. 10 do próprio decreto. Assim, o presente diploma desobriga a Administração Pública a realização de tarefas executivas, instrumentais, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta (feita por terceiros), mediante contrato.

Lei 5.645/70: Lança o rol de atividades a serem descentralizadas pelo Decreto 200/67. Entre elas estão as atividades relacionadas com transporte, conservação, custódia, operação de elevadores, limpeza e outras assemelhadas. Como se vê a autorização legal à terceirização no âmbito das Entidades Estatais é, como visto, limitada exclusivamente as atividades-meio, atividades meramente instrumentais. Não há no ordenamento qualquer permissão à terceirização de atividades-fim dos entes tomadores de serviço.

Lei 6019/74 e Lei 7102/83: A terceirização no setor privado se deu através de dois modelos restritos de contratação. O primeiro, pela Lei 6019, caracteriza o trabalho temporário e o segundo, pela Lei 7102, que versa sobre o trabalho de vigilância bancária.

Serviço Temporário (Lei 6019/74) - Situação-tipo de terceirização. Intenção de criar uma tipicidade específica afastada da clássica relação de emprego com regras menos favoráveis do que o contrato a termo.  O Trabalho Temporário é aquele prestado por pessoa física a uma empresa para atender a necessidade transitória de substituição de pessoal regular e permanente ou para servir ao acréscimo extraordinário de serviço. Desse modo, o trabalhador temporário é aquele que se vincula juridicamente a uma empresa de trabalho temporário, de quem recebe suas parcelas contratuais e presta serviço a outra empresa, para atender suas necessidades transitoriais ou de acréscimo. A Lei 6019/74 limita esse tipo de trabalho em seu Art. 4° a fim de atender determinadas especialidades limitando a figura executiva do trabalhador temporário a funções atividades caracterizadas por alguma qualificação ou especialização profissional.

  • O contrato empregatício temporário tem que ser necessariamente escrito
  • O prazo máximo é de 3 meses e só pode ser ampliado com a autorização do Ministério do Trabalho.
  • Segundo o Art. 12 da referida lei, a categoria dos temporários tem o direito a um salário equitativo às mesmas funções na mesma empresa.

III) Jurisprudência Trabalhista


Nos anos 80, antes da nova Constituição, o TST fixou súmula jurisprudencial a respeito do problema, incorporando orientação fortemente limitava das hipóteses de contratação de trabalhadores por empresa interposta. Informava a Súmula 256, TST:
"Salvo os casos previstos nas Leis n° 6019/74 e 7102/83, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador de serviços."

Em 1994 com a acirrada polêmica judicial que cercou a aplicação da referida sumula houve uma revisão do TST editando-se a Súmula 331 que segue abaixo:


I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei no 6.019, de 03.01.1974).
II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei no 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei no 8.666, de 21.06.1993).
(Nova redação)
IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
(acrescenta os itens V e VI)
V – Os entes integrantes da administração pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n. 8.666/93, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação.



sábado, 15 de dezembro de 2012

Entrevista com o Professor Ricardo Antunes sobre o mundo contemporâneo do Trabalho

Professor da Unicamp vem ao Roda Viva falar das mudanças no sistema de trabalho brasileiro, que vão desde a terceirização de serviços, o aumento na procura pelos concursos públicos, a contratação de PJs, o trabalho por tarefa até o uso de celulares e e-mails no trabalho.






sábado, 5 de maio de 2012


ADC nº 16: Há responsabilidade subsidiária do Estado na terceirização em caso de inadimplemento das obrigações trabalhistas pelo empregador?[1]
Rodolpho Cézar Aquilino Bacchi[2]
Siddharta Legale Ferreira[3]

O STF desconstruiu uma parte substancial da jurisprudência de mais de uma década do Tribunal Superior do Trabalho (TST). A decisão produziu um impacto enorme para toda a Administração Pública nacional, ao reavaliar a questão a responsabilidade subsidiária do Estado, nos casos de terceirização de serviços, se ocorrer o descumprimento das obrigações trabalhistas. O caso em questão teve origem na ação declaratória de constitucionalidade n. 16, com pedido liminar, ajuizada em março de 2007, pelo então Governador do Distrito Federal José Roberto Arruda, em que se objetivava o reconhecimento e declaração da constitucionalidade do dispositivo constante no art. 71, §1º da Lei nº 8.666/93, que possui o seguinte teor:
"Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.
§ 1º A inadimplência do contratado com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.”
 
            Como se disse, o STF superou o entendimento do TST, mais precisamente, a Súmula nº 331, que, a despeito da existência do dispositivo, responsabilizava subsidiariamente tanto a Administração Direta, quanto a Indireta, em relação aos débitos trabalhistas, quando atuar como contratante de qualquer serviço de terceiro especializado. A controvérsia versaria especificamente no inciso IV do referido Enunciado, cuja transcrição o fazemos abaixo:

"IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica na responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quando aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (artigo 71 da Lei nº 8.666/93)".

            Note-se que, segundo o autor da ADC, tal Enunciado consubstanciaria em entendimento que ofenderia os princípios da legalidade, da liberdade, o princípio da ampla acessibilidade nas licitações públicas e o princípio da responsabilidade do Estado por meio da adoção da teoria o risco administrativo (arts. 5º, inciso II, e 37, caput, inciso XXI, e § 6º, da Constituição Federal).
Questionando essa tese, pleiteou o Governador do Distrito Federal a concessão da medida liminar no sentido de suspender até o julgamento de mérito da ação declaratória todos os processos que envolvessem a aplicação do inciso IV, do Enunciado nº 331, do TST. Assim, seria vedado a qualquer juízo ou Tribunal proferir qualquer nova decisão, para aplicar ou afastar eficácia o já citado artigo 71, § 1º. Requereu também, a suspensão, com eficácia ex tunc, dos efeitos de quaisquer decisões, proferidas a qualquer título, que tenham afastado a aplicação do artigo 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93 ou que tenham aplicado o inciso IV, do Enunciado nº 331.
            Em 10 de maio de 2007, o relator Ministro Cezar Peluso, atual Presidente do Supremo Tribunal Federal, monocraticamente, indeferiu o mencionado pleito liminar por entender que haveria complexidade da causa de pedir. Fundamentou ainda tal negação, no fato de seria precipitado conceder liminar destinada a suspender o julgamento de todos os processos que envolvessem a aplicação do art. 71, § 1º, antes que se dotasse o processo objetivo em questão dos elementos instrutórios aptos a melhor moldar o convencimento judicial. Por último, solicitou, informação do TST sobre a aplicação da norma questionada.[4]

            Em 10 de setembro de 2008, teve início o julgamento do mérito da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16. Primeiramente, o relator Ministro Cezar Peluso votou pelo indeferimento da petição inicial para arquivar a ação, pois não haveria um requisito imprescindível para o ajuizamento da ação declaratória de constitucionalidade, qual seja, a existência de controvérsia judicial a erodir a presunção de constitucionalidade da lei, nos termos do art. 14, III da Lei nº 9.869/99. Afirmou ainda que o autor da ação não teria demonstrado no pedido que houvesse, no meio jurídico, dúvida relevante sobre a legitimidade da norma, tendo se limitado apenas a realizar a juntada de 3 (três) cópias de decisões de TST que não versaram sobre a questão de inconstitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93. Argumentou, ainda, que o Enunciado nº 331 não declarou inconstitucional o art. 71, §1º, mas sim admitiu a responsabilização da administração pública a partir da análise caso a caso dos contratos de terceirização a partir de outros dispositivos legais e constitucionais.      
Determina-se apenas a responsabilização da Administração quanto as obrigações trabalhistas se ela e o órgão tomador dos serviços tenham participado da relação processual e a Administração Pública tenha participado do processo trabalhista, se defendido, e ao final, sido condenada.[5]
            Em sentido oposto, o Ministro Marco Aurélio[6] rebateu o afirmado, alegando que a utilidade do julgado seria enorme, pois que existiria “multiplicação de conflitos judiciais acerca da matéria” e o interesse em ver a questão analisada pelo Pretório Excelso não seria somente do Distrito Federal, mas sim de várias outras unidades da federação e da própria União, que pediram para ingressar na ação.[7] Acrescentou ainda que o TST teria editado a Súmula nº 331 exatamente para orientar as decisões da Justiça do Trabalho e que o verbete teria implicitamente projetado o dispositivo da Lei nº 8.666/93 para “o campo da inconstitucionalidade.”

            O julgamento então acabou sendo suspenso pelo pedido de vista do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, hoje falecido. Na data de 24 de novembro de 2010, o julgamento foi retomado pela Ministra Carmen Lúcia, uma vez que o ministro sucessor do falecido Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, o Ministro Dias Toffoli, à época do julgamento havia atuado neste processo na qualidade de Advogado Geral da União, defendendo a presunção iuris tantum de constitucionalidade do art. 71, § 1º da Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Na retomada do julgamento, o atual Presidente do Supremo Tribunal Federal e relator da matéria, Ministro Cezar Peluso reiterou o argumento para justificar o seu voto pelo arquivamento da ADC por falta de comprovação da dúvida sobre a constitucionalidade.
            Em sentido contrário, a Ministra Carmen Lúcia afirmou a existência de controvérsia a ser analisada pela Corte, porque o Enunciado nº 331 do TST teria ensejado uma série de discussões nos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs). O advento do verbete conduziu tais cortes a considerar que haveria inconstitucionalidade do §1º do art. 71 da Lei 8666/93. Tanto é que diversas Reclamações Constitucionais foram ajuizadas no Supremo, justamente em razão da controvérsia sobre a constitucionalidade da norma. Diante disso, se pronunciou pelo conhecimento e pelo pronunciamento da Suprema Corte quanto ao mérito ad causam.[8] No mérito, a Ministra citou o art. 37, § 6º da Carta Magna sobre a responsabilidade objetiva extracontratual para afastar sua aplicação ao caso. Uma coisa seria a responsabilidade contratual da Administração Pública pelos problemas na terceirização e outra, a extracontratual ou patrimonial. Aduziu ainda que o Estado responderia por atos lícitos de ordem contratual, ou por atos ilícitos pelos danos praticados.
            O Ministro Marco Aurélio observou, quanto ao mérito, que o TST consolidou o seu entendimento acerca da matéria com base nas normas dos arts. 2º, § 2º da CLT, que define o que é empregador, e no art. 37, § 6º da Constituição Federal, que prevê a responsabilidade das pessoas jurídicas de direito público pelos danos causados por seus agentes a terceiros. Quanto ao primeiro artigo, observou que a premissa da solidariedade nele prevista seria em razão da direção, o controle, ou a administração da empresa, não se daria no caso, porque o Poder Público não teria a direção, a administração, ou o controle da empresa prestadora de serviços. Já em relação ao segundo artigo, o Enunciado nº 331 considerou a responsabilidade objetiva do Estado, o que não ocorreria, já que não haveria ato do agente público causando prejuízo a terceiros que seriam os prestadores de serviço.
            Por outro lado, o Ministro Ayres Britto se posicionou no sentido da inconstitucionalidade apenas no que respeita à terceirização de mão-de-obra, pois a Constituição teria esgotado as formas de recrutamento de mão-de-obra permanente para a Administração Pública, por meio do concurso público, da nomeação para cargo em comissão e contratação por prazo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, não tendo se referido, assim, a terceirização. Salientou ainda, que esta forma de contratação constituir-se-ia em recrutamento de mão-de-obra que serviria ao tomador dos serviços, Administração Pública, e não à empresa contratada, terceirizada. Por fim, afirmou que, em virtude de se aceitar a validade jurídica da terceirização, dever-se-ia, pelo menos, admitir a responsabilidade subsidiária da Administração Pública, beneficiária do serviço, ou seja, da mão-de-obra recrutada por interposta pessoa. O ministro, porém, restou-se vencido.
            A maioria dos ministros entendeu que a mera inadimplência da empresa contratada não possui o condão de por si só transferir à Administração Pública a responsabilidade pelos pagamentos dos encargos. Isso não significa que eventual omissão da Administração Pública na obrigação de fiscalizar as obrigações do contratado não pode vir a gerar essa responsabilidade. Pelo contrário, pode sim.[9] Nessa linha, acabou por se reconhecer a constitucionalidade do artigo 71, §1º e, com isso, concluindo-se que o TST não poderá generalizar ou presumir a culpa da Administração. Ao contrário, para haver a responsabilização subsidiária, faz-se necessário comprovar caso a caso a falha ou falta de fiscalização pelo órgão público competente.
            Em resumo, a nosso entender, o quadro geral foi o seguinte: (i) vencido o Ministro Ayres Britto que entendeu pela inconstitucionalidade da norma da Lei nº 8666/93; (ii) não prosperou a tese do Ministro Relator pelo não conhecimento da ADC ; (iii) os demais ministros reconheceram a constitucionalidade do art. 71, §1º e, mitigando a Súmula 331 do TST, exigindo que, daqui em diante, seja comprovado casuisticamente a falha ou falta de fiscalização pelo órgão público competente para que seja possível a responsabilização subsidiária da Administração Pública direta ou indireta (tomadora do serviço) por inadimplemento das obrigações trabalhistas pelo empregador[10].


[1] Comentário elaborado à partir da análise dos Informativos 519 e 610 do STF, bem como das sessões de julgamento televisionadas no TV Justiça.
[2] Bacharel em direito pela UFF. Pós-Graduando Lato Sensu em Direito e Processo pelo Curso Toga/Universidade Católica de Petrópolis.
[3] Bacharel em direito pela UFF. Advogado. Ex-Residente Jurídico da PGE-RJ. Professor Substituto na Universidade Federal Fluminense.
[4] STF, ADC 16 MC / DF, Rel.  Min. Cezar Peluso, J. 10.05.2007, DJ 17.05.2007. Comentário elaborado à partir da análise dos Informativos 519 e 610 do STF.
[5] Conforme as próprias palavras do Relator: “É inútil para o tribunal perder-se aqui neste caso e reconhecer uma constitucionalidade que jamais esteve em dúvida em lugar nenhum.”
[6] Ex-membro da Procuradoria Regional do Trabalho da 1ª Região e do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, e do Tribunal Superior do Trabalho
[7] “Não podemos ser tão ortodoxos”, disse para defender o julgamento de mérito do pedido.
[8] Em razão do entendimento fixado na ADC nº 16, o Plenário do Supremo Tribunal Federal deu provimento a uma série de Reclamações Constitucionais ajuizadas em face de decisões do TST, Tribunais Regionais do Trabalho fundamentadas na Súmula nº 331, que teriam violado a cláusula de reserva de plenário ao entenderem pela inconstitucionalidade do art. 71, §1º da Lei nº 8666/93, afastando assim este dispositivo, sem a submissão da matéria de controle difuso de constitucionalidade ao Tribunal Pleno do Tribunal Superior do Trabalho, conforme apregoa o art. 97 da Carta Magna e a Súmula Vinculante nº 10 do STF.
[9] Nesse sentido, é o entendimento do Ministro Maurício Godinho Delgado: “Ora, a entidade estatal que pratique terceirização com empresa inidônea (isto é, empresa que se torne inadimplente com relação a direitos trabalhistas) comete culpa in eligendo (má escolha do contratante), mesmo que tenha firmado a seleção por meio licitatório. Ainda que não se admita essa primeira dimensão da culpa, incide, no caso, outra dimensão, no mínimo a culpa in vigilando (má fiscalização das obrigações contratuais e seus efeitos). Passa, desse modo, o ente do Estado a responder pelas verbas trabalhistas devidas pelo empregador terceirizante no período de efetiva terceirização (inciso IV da Súmula 331, TST). DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 9ª ed. São Paulo: LTr, 2010, p. 441.
[10] Em sentido oposto, o atual Ministro do Tribunal Superior do Trabalho Maurício Godinho Delgado já afirmava que: “A responsabilidade subsidiária preconizada no inciso IV da Súmula 331 aplica-se também aos créditos trabalhistas resultantes de contratos de terceirização pactuados por entidades estatais? Seguramente, sim. Contudo, o texto da Lei de Licitações aparentemente pretendeu excluir tais entidades do vínculo responsabilizatório examinado. De fato, estabelece o §1º do art. 71 da Lei n. 8666, de 21.6.93, que a inadimplência do contratado com referência às dívidas trabalhistas e de outra natureza ‘... não transfere á Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento...’ A jurisprudência dominante, porém, não tem conferido guarida à tese legal de irresponsabilização do Estado e suas entidades em face dos resultados trabalhistas de terceirização pactuada. (...). No tocante à responsabilização em contextos terceirizantes não excepcionou o Estado e suas entidades (inciso IV da referida súmula). E não poderia, efetivamente, acolher semelhante exceção – que seria grosseiro privilégio antissocial – pelo simples fato de que tal exceção não se encontra autorizada pela Carta Magna do pais (ao contrário da expressa vedação de vínculo empregatício ou administrativo irregular: art. 37, II e § 2º, CF/88). Mais ainda: tal exceção efetuada pela Lei de Licitações desrespeitaria, frontalmente, clássico preceito constitucional responsabilizatório das entidades estatais (a regra da responsabilidade objetiva do Estado pelos atos de seus agentes, insculpida já há décadas na história das constituições brasileiras). Semelhante preceito constitucional responsabilizatório não só foi mantido pela Carta de 1988 (art. 37, § 6º, CF/88) como foi inclusive ampliado pela nova Constituição, abrangendo até mesmo as pessoas jurídicas de direito privado prestadores de serviços públicos (§ 6º do art. 37, CF/88). Ora, a Súmula 331, IV, não poderia, efetivamente, absorver e reportar-se ao privilégio de isenção responsabilizatória contido no art. 71, § 1º da Lei de Licitações – por ser tal privilégio flagrantemente inconstitucional. (...) Não poderia, de fato, incorporar tal regra jurídica pela simples razão de que norma inconstitucional não deve produzir efeitos.” (DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 9ª ed. São Paulo: LTr, 2010, p. 440-441.) Grifos acrescentados.

terça-feira, 1 de maio de 2012

O operário em Construção - Vinicius de Moraes



E o Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do mundo. E disse-lhe o Diabo: — Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue e dou-o a quem quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu. E Jesus, respondendo, disse-lhe: — Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás (Lucas, cap. IV, versículos 5-8).
Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as asas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.


De fato como podia
Um operário em construção
Compreender porque um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento


Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse eventualmente
Um operário em construcão.
Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma subita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
- Garrafa, prato, facão
Era ele quem fazia
Ele, um humilde operário
Um operário em construção.
Olhou em torno: a gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.


Ah, homens de pensamento
Nao sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua propria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.


Foi dentro dessa compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele nao cresceu em vão
Pois além do que sabia
- Excercer a profissão -
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.


E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.
E foi assim que o operário
Do edificio em construção
Que sempre dizia "sim"
Começou a dizer "não"
E aprendeu a notar coisas
A que nao dava atenção:
Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uisque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.


E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução


Como era de se esperar
As bocas da delação
Comecaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação.
- "Convençam-no" do contrário
Disse ele sobre o operário
E ao dizer isto sorria.


Dia seguinte o operário
Ao sair da construção
Viu-se súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu por destinado
Sua primeira agressão
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!


Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras seguiram
Muitas outras seguirão
Porém, por imprescindível
Ao edificio em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.


Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo contrário
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
- Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher
Portanto, tudo o que ver
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.


Disse e fitou o operário
Que olhava e refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria
O operário via casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!


- Loucura! - gritou o patrão
Nao vês o que te dou eu?
- Mentira! - disse o operário
Não podes dar-me o que é meu.


E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martirios
Um silêncio de prisão.
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Com o medo em solidão
Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construido
O operário em construção



- Vinicius de Moraes